Queda livre


Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
Carlos Drummond de Andrade

E chegas abrasado na loucura,
As mãos apunhalando meus cabelos,
Faminto vens, a língua me procura,
Queimando pela nuca aos tornozelos.

E nessa chama a pele mais acura,
Meus pelos abraçados com teus pelos,
Calor que se propaga in natura,
Vibrando na paixão dos meus apelos.

Os corpos se contorcem numa trama,
As almas se entrelaçam num atrito,
Ardendo plenas na etérea chama,

Que vaza num espasmo oco, infinito.
Em queda livre, leves sobre a cama,
Vertendo nas paredes um só grito.

Lábios de orgia


A uns lábios fervorosos...

Embora de teus lábios afastada
Que importa? – Tua boca está vazia...
Beijo esses lábios com que fui beijada,
Beijo teus beijos numa nova orgia.
Gilka Machado

Ah! Teus lábios tão firmes, de intenso beijar,
Supra sumo vermelho – dois gomos – carnudos,
Ah! Que tenros morangos, deleitoso manjar!

Esses lábios tão rubros que me fazem corar,
São mil beijos vorazes, em carne desnudos
Que na boca derretem... ai, não ouso falar!

São sussurros nervosos, ardentes bramidos,
Furiosos que queimam da cintura ao ouvido,
Percorrendo em transe meu corpo ditosos
Num balanço fogoso, fugaz, atrevido.

Ah! Rompantes agudos de lábios ansiosos,
Que na pele penetram sabor de libido.
Escorregam em beijos densos, ociosos,
Sequiosos em ondas, furor destemido.

Mãos de veludo


Aquelas mãos em toques eternos
em alguns minutos apenas horas se tornaram
Eternos movimentos das pontas dos dedos
Procuravam retorno desejado presente na pele..
Líria Bordinhão Dahlke

As mãos que desatavam nesta carne
Soluços langorosos no veludo,
Os meus sentidos todos em alarme,
Espasmos calorosos tão desnudos.

E todas as defesas em desarme,
Entregue o corpo lasso todo mudo,
Tuas mãos matreiras a regozijar-me
Num sonho de volúpia que foi tudo.

E longe delas, ai que não seguro,
A febre delirante por um toque,
Que firme, sedutor e tão maduro,

Em ébrios transes queime e me coloque!
Que desvairadamente eu procuro,
Na súbita centelha de um choque.

Vazão


Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.
Cruz e Sousa

Ah! Nas vagas do verso venturoso,
Perder-te vem no vulto em volição.
Vassalo teu vivaz e vaporoso,
Vencida minha verve nas tuas mãos.

Amado, veste o ventre veludoso,
Violácea vulva, viva convulsão...
Do sêmen mais voraz e mais viscoso,
Vertendo vagas vozes, vibração.

Em versos vagarosos, mil acentos,
Vaidosos, vigorosos, com ardor!
Uivando vorazmente junto ao vento,

Verbetes mastigados sem pudor!
Vazando pelo ventre, um segmento,
Volúpia bem servida ao vencedor!

Apolíneo


Quisera que te vissem como eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.
Vinicius de Moraes

Teu corpo esculpido contra a Lua,
Apolo soberano em evidência,
Da pele um calor que se insinua,
Arfando meus desejos, tua essência...


Mil graças, eu te rendo seminua,
Em preces de ternura e indecência...
A serva que te ama e te cultua
Com votos de louvor e apetência.


No branco dos lençóis as tuas linhas
Transpiram convulsões em nós assentes,
Que se desembaraçam pelas minhas


Em fluxos e refluxos tão crescentes!
O gozo frouxo que se adivinha...
Nas tuas formas belas tão contentes!

Quase morte...

Quando teu membro em transe me recebe,
Sugando meus vãos numa ânsia louca...
Sinto em meu corpo tua intensa febre
E a esse fervor me penso um tanto pouca...

Teu falo em fogo, em fúria, firme e forte,
Flamejando em meus flancos, frenesi.
Sou-te efeito túnel e quase morte,
Frêmito ardente, a fremitar por si.

Duas almas nucleadas em etéreo
Perfazem num instante um ano-luz,
Vagando sob as valas do Mistério...

Esquecem na Terra seus corpos nus.
E desfraldando-se em mil planisférios,
Espasmamos num Céu que em nós reluz...

Sensorial


E tanto penso em ti, ó meu ausente amado!
que te sinto no Vento e a ele, feliz, me exponho.
[...]
E não podes saber do meu gozo violento,
quando me fico assim, neste ermo, toda nua,
completa-te exposta à Volúpia do Vento!
Gilka Machado

Aspira, querido, o som desse gemido...
Renhido, esculpido nos ecos do vento,
É meu corpo febril, castanho, atrevido,
Fluído, mexido em frugal movimento.


Apalpa, querido, esse olhar fescenino,
Felino, ladino qu’em ti, eu sustento,
Instinto voraz, carnal, feminino...
Ferino, latino com que me alimento


Saboreia, querido, esse cheiro vertido,
Fruído, despido em meu pensamento.
Em sonhos e delírios volvido,
Aturdido, expandido em ritmo lento.


Mira, querido, esse tato menino
Libertino, franzino tão em contento!
Deslizando sobre meu figurino,
Nesse andor e ardor e fervor violento!


Ouça, querido, esse pranto em libido
Parido, provido d’meu sentimento,
Em meus flancos em amor convertido,
Incontido, vencido em teu acalento!

Eclipse


Libidos soltas nessa imagem tão sonhada!
No lusco-fusco das paredes do meu quarto,
Nossos orgasmos pelos vãos da madrugada.
Magmah/Safo

A noite escorre rente ao nosso leito,
Transpiram mil estrelas em erupção...
Os corpos vibram densos, liquefeitos,
Em cálidas nuances p’la vastidão.


Um canto universal, ritmo perfeito,
Explode em ondas... sacra composição.
São luz e sombra, múltiplos efeitos,
Trançando meus desejos, elevação...


Vão juntos, incessantes e parelhos,
Na ânsia do prazer que os comprime,
Vazados um em outro, dois espelhos,


Derramam em espaços tenso crime.
Gozando num eclipse tons vermelhos,
Refluem nas esferas do sublime...

Beija-flor


É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
[...]
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.
Jorge de Sena

Teus lábios repousa sobre a fina flor,
Guardiã do néctar de febris desejos,
E tal como o dedicado beija-flor,
Sugue-a em suaves e doces beijos...


Toque-a, gentil amado, com o teu amor,
Solícito em mil pompas e cortejos...
Que ela se revolva trêmula em ardor,
Abrindo-se feliz em tais festejos.


Com prazer acolha o viscoso mel,
Derramado entre as pétalas ardentes.
Que ele te eleve bem junto ao Céu,


Lá onde os sentidos são frementes.
Seiva cristalina, tenro coquetel...
Cálice que queima nos teus dentes.

Ao Phallos


Entre as pernas lânguidas
O membro se afoga...
Em prazeres obscenos
Bebe o sabor desconexo
Dos teus soluços e gemidos
Consagrando-os à Vênus.
R.

Humana carne, Falo esculpido,
Soergue insuflado em cada coito.
É rijo, firme, forte, decidido,
É fogo em falo, fero e tão afoito!


Sulcando grelos traça destemido,
Sutil passagem, busca do intróito.
Sob os meus flancos, falo em sustenido
É gozo duas, três vezes, quase oito!


Rompendo por caminhos imprecisos
Se perde nas penumbras do desejo...
São voos trêmulos, lassos, indivisos


Cegando o Falo em mil lampejos!
Na Terra desnudando paraísos,
No Céu gozando em mil festejos!

Sonnet aux Amants


Et c’est une splendeur claire que rien n’égale,
Sous le soleil penchant ou la nuit automnale!
Albert Lozeau

Vendo-te a amar-me ora aqui à noitinha,
Hora em que Vênus no céu resplandece,
Monótono outono qu’antes me tinha...
De meu peito, no teu colo espairece


Que tamanha felicidade a minha!
A ter-te em mim desse jeito silvestre,
Jubilando em ti – abelha rainha...
Gozos da carne em fluência celeste!


Contigo aqui, amor, à hora vadia
Com o seio ruflando em descompasso,
Sinto em mim a noite tragar o dia...


Provendo cada vazio, cada espaço...
E no extático vôo em sincronia
Feneço frouxa de amor em teus braços...

Cerimonial


Vem de Creta até este templo sagrado,
onde há um gracioso bosque de macieiras
e altares onde arde o incenso...
Safo

Debruça-te neste altar em devoção
E unge teu círio c’óleos consagrados,
E deixa a deusa guiar-te em transição
E dar-te benção, beijos conflagrados.


Vem, curva-te a este ventre imortal,
Violácea rosa, casta, em suspensão.
Que nela flua o sêmen celestial,
A mais fecunda graça em comunhão.


Que eflúvios e apelos d’Afrodite,
Suspendam-te às matizes do prazer,
Que o seio teu, em ânsias mil palpite...


E tua carne faça-se ascender.
Que, de paixão, te sirva em apetites...
Em chamas, ó mortal, a estremecer!

Passeio...


E os gritos se tornam uma canção
No meio da tempestade de sentidos
Quando dois corpos atrevidos
Tateiam as paredes do infinito...
R.

Meus lábios, toca com os teus,
Tua língua insinua sobre a minha.
Beija-me o beijo impudico dos ateus,
Provoca-me o frio lascivo na espinha!

Teus lábios, desliza no meu queixo,
Escorrega-os em direção ao alvo pescoço.
Tira-me de mim, do meu próprio eixo,
Ah, perturba-me o âmago, até o osso!

Abre caminho pro vale entre os seios,
Em frente segue até o ventre sedoso.
Perca-os, detenha-os em outros veios,
Ah, tortura febril, passeio audacioso!


Volta à estrada, desce um pouco mais,
Há um monte que t’espera, um remanso.
Outros lábios, quentes lábios sensuais,
Ah, oásis de delírios, teu descanso!

Deleite

E todo o corpo
é esse movimento
em torno
em volta
no centro desses lábios.
Maria Tereza Horta

Serena sob a Lua descansava,
Ornada em doces sonhos deleitosos,
Uma chama no branco seio palpitava,
Ardendo em mil desejos fervorosos...


Visão anil as pálpebras estremecia,
O Céu em transe, lábios suspirosos.
No ventre a mão impudica descia...
Oh! Oásis de fluídos langorosos!


Delírio entorpecido, ardor supremo,
Vagando nas entranhas ondulosas...
Barco a navegar em mar sem remos...

Naufrágio em vagas tão fogosas.
Da Terra ao Céu andando extremos,
Furor em nuvens alvas tão ditosas...

Preliminares: Um passeio pela história da Literatura Erótica...



Apesar de suas origens um tanto quanto imprecisas e nebulosas, pode-se dizer que a poesia erótica feminina surgiu para a Literatura, na Grécia Antiga, no século VII a.C. pelas mãos da poetisa Safo de Lesbos, considerada a primeira mulher a se atrever a expressar o erotismo feminino em versos. Entretanto, poucos fragmentos da obra desta grande poetisa foram conservados devido à censura que sofreu por parte dos monges copistas na Idade Média.

Durante o período da Idade Média por sofrerem perseguições e ameaças de morte, poucas mulheres se dedicaram à arte da escrita, principalmente literatura erótica. Somente a partir do Renascimento até os nossos dias é que inicialmente mulheres como: Marie de France, Eleanor de Aquitaine, Marguerite de Navarre, Louise Labé, Elisabeth I da Inglaterra e Cristina da Suécia, que chegou a fundar academias literárias durante a época de seu exílio na Itália, todas de educação privilegiada e pertencentes às altas cortes libertaram suas penas e tinteiros e se dedicaram com mais afinco a este tipo de literatura.

Mais tarde, no período de transição entre os séculos XIX e XX, surge Rachilde, pseudônimo de Marguerite Aimery, que compôs inúmeros romances escandalosos para a sua época. Já no início do século XX surgem outros nomes, como: Natalie Clifford-Barney, Renée Vivien, Lucie Delarue-Mardrus, Renée Dunan e Sidonie Collette, se destacando esta última pelas frases que caracterizavam seu estilo literário, tais como: “Poucas pessoas sabem o que é o prazer. Só conhecem a farra... Quem nos criará um verdadeiro erotismo? Ele faz falta à poesia e às letras”. (ALEXANDRIAN, 1993, p. 299)

Além destas, surgem também neste período Anaïs Nin e Joyce Mansour, a primeira considerada a melhor romancista erótica moderna. De estilo surrealista e bastante interessada pelos sonhos e prospecção do inconsciente, seu erotismo é influenciado por algumas experiências vivenciadas por ela e marcado pela delicadeza e recusa da separação entre amor e sexo, pois segundo a autora “a literatura erótica escrita por homens não satisfaz (ia) as mulheres”, devido ao fato de que as “necessidades, fantasias e atitudes eróticas” femininas são diferentes das dos homens.

Já em sua época Anaïs Nin profetizava que haveria no futuro cada vez mais mulheres que escreveriam tendo por base suas próprias experiências e sentimentos, pois para ela “o erotismo é uma das bases do conhecimento de nós próprios, tão indispensável como a poesia”.

Joyce Mansour se notabilizou por uma poesia inicialmente marcada pelos temas do sexo e da morte (Eros e Thanatos), “misturados numa única obsessão uivante, rosnante”, que “pareciam rugidos de pantera negra, da qual ela própria tinha o porte e o ímpeto selvagem”. (ALEXANDRIAN, 1993, p. 316) Logo a seguir seu estilo se converteu em “uma imagética barroca, macabra, exprimindo o auto-erotismo, o sentimento de metamorfoses inquietantes [...] exaltando a revolta feminina integral, [...] produzidos por uma erupção de sua sexualidade vulcânica”. (ALEXANDRIAN, 1993, p. 317-318)

No Brasil a poesia erótica feminina manifestou-se de forma mais clara somente a partir do século XX, pois antes disso a repressão a tudo o que se referia ao corpo, incluindo sexo e virgindade por parte dos portugueses que aqui chegaram, desencadeou uma mentalidade bastante preconceituosa, pode-se dizer assim, ao relacionar sexualidade com pecado, principalmente por parte da Igreja Católica e do cristianismo. “O instinto sexual não controlado pelas regras do casamento se transformava em luxúria e paixão nas páginas dos moralistas”. (PRIORE, 2005, p. 23)

Por isso, inicialmente apenas os homens praticavam uma poesia erótica sem maiores pudores, sendo Gregório de Matos lá no século XVIII considerado o primeiro representante brasileiro a introduzir esta temática em nossa poesia. Entretanto, a voz erótica feminina clamava por ser ouvida e nos anos 60, com a revolução feminista, que reivindicava basicamente direitos iguais entre homens e mulheres (direito ao voto, direitos trabalhistas e salários iguais, entre outras questões relativas à proteção da mulher) é que as coisas começaram a mudar também na Literatura.

A partir daí começam a surgir as primeiras poetisas e escritoras a adotar o tema erótico em suas obras, tais como: Márcia Denser, Alice Ruiz, Betty Milan, Cassandra Rios, Myriam Fraga, Olga Savary, Gilka Machado, Hilda Hist, Adélia Prado, entre outras, sobressaindo-se as duas últimas. Hilda Hist por após décadas escrevendo literatura séria, abdicar deste estilo para se entregar à temática do erotismo, adotando temas-tabus como: pedofilia, homossexualismo e lesbianismo na tentativa de ser mais lida e assim conquistar o reconhecimento do público, segundo ela.

Mas é nas duas últimas décadas que se tem notado uma eclosão do número de poetisas que passaram a adotar a temática erótica em suas obras, através de um discurso no qual são expressos desejos de liberdade, amor e erotismo, em variadas nuances, havendo, portanto, lugar tanto para o estilo mais refinado e rebuscado até o estilo mais simples e coloquial, inclusive para palavras de baixo calão.

Neste contexto surgem poetisas como: Angela Montez, Laura Esteves, Verônica Dias, Mônica Mello, as quais se tem destacado entre tantas outras anônimas, que atualmente se dedicam a publicar seus poemas na Internet, seja em sites e blogs de literatura e poesia ou no Orkut a fim de divulgarem suas obras para o mundo.